MEUS COMENTÁRIOS AOS VERSOS DE OURO (1) 

Por Mystes 

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Se a sabedoria, como disse Sócrates, se encontra somente “lá”, ou seja, somente quando a alma estiver separada do corpo, surge naturalmente uma pergunta: o estado no qual nos encontramos, de união com o corpo, é um estado de ignorância? 

Sim, responderia o sábio. E, portanto, nós, no estado de união com o corpo quando em vida, estamos destinados à perene ignorância! A não ser que seja possível - em vida - a possibilidade de produzir voluntariamente a separação da alma em relação ao corpo, ou de experimentar em vida o estado de morte. Em tal caso ocorre ser necessário não somente a capacidade de produzir a viagem de ida (a separação em relação ao corpo), mas sobretudo ter no bolso a passagem de retorno, conforme os Versos Áureos: 

“Então, quando o corpo deixar, e ao éter livre for, Espírito e Nume imortal, não mais vulnerável será”. (versão de A. Reghini). 

O verso de Pitágoras, submetido a uma análise atenta, apresenta diversas situações que a alma deve enfrentar. Vamos examiná-lo separando-o e de maneira breve: 

“…Então, quando o corpo deixar …” se refere ao próprio momento da cessação da vida física, quando é dado o último suspiro, no preciso instante em que o movimento de liberação tem início. Tal processo de liberação não é um fato garantido. Pressupõe-se que ocorra no instante em que o homem passa de um estado de consciência integrada ao corpo para um estado de consciência fora do corpo, ou seja, quando o corpo cessou de viver. O primeiro estado é bem conhecido pelo homem, o segundo é literalmente desconhecido. Aqui se encontra, em minha opinião, o momento mais difícil pois a consciência deve estar plenamente focada no fato de dever abandonar o corpo que a hospedou por tantos anos nos quais esteve em vida. Se a consciência não tiver a lucidez, a preparação e a sensibilidade de decidir qual direção, corre o risco de ser atraída e aniquilada em um corpo no qual estão ativas as larvas da putrefação. 

“… e ao éter livre for …” nestas poucas, porém expressivas palavras, os versos mostram sua potência expressiva e dão a certeza ao discípulo pitagórico já liberto de um mundo feito de dúvidas e de incertezas. O uso do verbo “ir” assegura que o conceito de ascensão, ou seja, a promessa que o mestre havia feito ao Discípulo quando ainda em vida, não era a promessa vazia de uma vã esperança, mas o primeiro passo, o passo decisivo e sublime, com a finalidade de satisfazer a finalidade última e sublime à qual aspira o discípulo pitagórico. Mas não basta apenas a ascensão. O verso seguinte promete e garante o justo troféu que se recebe ao término do acidentado percurso. 

“… Espírito e Nume imortal, …” O substantivo “imortal” não se refere a uma simples promessa. Fornece ao discípulo uma certeza, a certeza de que ao término da viagem o discípulo estará na condição justa de concluir aquela palingenesia iniciada quando sentava-se nos bancos da Escola Pitagórica, continuada no abrigo de seu lar, diariamente, com uma vida sã e salutar. E sobretudo à noite, nas repetidas provas e experiências e nas visões beatíficas de uma realização espiritual completada. 

“…não mais vulnerável será.” Este verso é o mais difícil para compreender e comentar. A meu ver, o verso implica uma promessa, a mais significativa, a mais desejada. Então, se você respeitou e observou escrupulosamente as instruções contidas nos versos precedentes, não irá ao encontro de uma “simples” morte, não será mais vulnerável, como vulneráveis são os mortais comuns, mas estará em condição e será capaz de vencer a morte. 

Em minha opinião a vulnerabilidade, no sentido etimológico e filológico da palavra, implica não apenas a fragilidade fisiológica do homem, mas também sua instabilidade de caráter, as fraquezas recorrentes que o homem demonstra nas passagens mais difíceis de sua vida e, enfim, naquele decisivo e misterioso momento da “morte”, momento no qual a vulnerabilidade do homem fica mais marcante: quando Pitágoras demanda firmeza, e sobretudo respeito por si mesmo, o homem se mostra débil e hostil em relação a si mesmo.  “Aqui se atestará tua dignidade”2, disse Dante dialogando com sua Mente. Verso mais apropriado não se poderia citar para sugerir ao homem que está por empreender sua viagem de ascensão: “E eis o momento de demonstrar quem você é, ou quem diz ser …” 

Traduzido por 53♀

(CONTINUA)